quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Guarapuavando

Os ares não são mesmos e as vontades também mudaram. Mas, entre o caminho de lá e cá alguma coisa há de ter sido salva.
Em Guarapuava, poucas histórias por enquanto me chamaram a atenção. Essa foi uma delas.

Em situação de miséria, mãe pede ajuda para filho deficiente
Os dois vivem no bairro Conradinho, em casa danificada pelo tempo e suscetível às chuvas; local não tem rede de esgoto nem mínimas condições de higiene



Em meio às melhorias na qualidade de vida da população brasileira e também da guarapuavana nos últimos anos, situações como as verificadas pela reportagem do Diário, na periferia da cidade, nesta semana, revelam que para algumas famílias a veia da miséria ainda está aberta, bem perto de todos.

Em uma rua de chão batido do bairro Conradinho, numa casa de dois cômodos mais uma varanda, bastante danificada, mora a ex-catadora de recicláveis Elísia do Carmo Mendes dos Santos, 59 anos, com o filho Pedro Gelson dos Santos, 22 anos. A casa de madeira, deteriorada pelo tempo, está com algumas tábuas podres e falhas no telhado, que formam muitas goteiras, mas esse não é o maior problema.

Pedro nasceu com algumas deformações pelo corpo, lábio leporino e, segundo a mãe, teve ainda paralisia infantil e meningite nos primeiros dias de vida. Não fala e não anda, nem responde a estímulos externos. Por isso, depende exclusivamente dos cuidados da mãe para tudo, seja para controlar as crises epilépticas, seja para se alimentar ou se higienizar.

Analfabeta, Elísia disse que quando o filho era pequeno, fazia cópia de músicas para conseguir arrecadar um pouco de dinheiro. Com o passar dos anos, virou catadora, mas há alguns meses deixou de trabalhar exclusivamente para cuidar do filho, que ficava sozinho em casa enquanto ela saía para o trabalho. Desde então, os dois sobrevivem da pensão por invalidez de Pedro, que segundo ela, não chega para cobrir os gastos básicos com alimentação, higiene e saúde. Para ajudar, um irmão comprou alguns produtos e uma vendinha foi improvisada na varanda, para as pessoas do bairro. “As pessoas sabem da situação do Pedro e ajudam. Vem aqui, tomam um refrigerante para ajudar”, contou a catadora.

Por dia, segundo ela, o dinheiro dá para comprar duas fraldas geriátricas. “Não tenho condição de comprar mais. A gente faz o que pode, mas ele é um rapaz, isso não chega”, contou. Na casa de dois cômodos, que não possui banheiro, Elísia dá banho no filho em duas bacias. “É como se fosse um bebê. A mesma coisa, só que muito maior”, relatou. Com o filho quase da mesma altura, ela enfrenta dificuldades para carregá-lo por entre a casa pequena e as saídas de casa do rapaz são somente para atendimentos médicos.

Os remédios de uso contínuo do rapaz, segundo ela, são cinco, mas nem sempre estão disponíveis no posto de saúde. “A gente não pode deixar faltar. Tem de comprar. Faço tudo pra dar saúde pra ele, mas não consigo”, afirmou. Com a comida, faz a mesma coisa. “Ele não come qualquer coisa, então tenho de dar um jeito”, contou.

O caso de Pedro e Elísia choca, tanto que o socorrista João Augusto Kurchaidt, que junto com amigos distribui cestas básicas aleatoriamente no Natal. Uma das cestas foi dada a Elísia, mas João não conseguiu esquecer a situação em que os dois vivem. “A mãe clamou por uma ajuda para o filho deficiente. Só vendo para sentir as condições de vida desses dois”, relatou. “Quando chove eles precisam ficar sob um plástico para que não se molhem. A casa está repleta de goteiras”, pontuou.



Chuvas perigosas

A casa em que Pedro e Elísia moram não pertence aos dois. É, segundo a catadora, de uma neta que mora em Curitiba. No mesmo terreno, uma casa abandonada serve de depósito para o lixo acumulado. Essa casa, feita com placas pré-moldadas pertence aos dois, mas está em condições péssimas de conservação.

Sem piso, com as placas soltas, a madeira apodrecida e com risco de desabamento no teto, não oferece condições mínimas de segurança. Para melhorar a situação, somente reformando todo o telhado. Além das infiltrações fora de casa, outro perigo. Em frente à casa passa uma valeta com os os dejetos das casas da vizinhança, espalhando mal cheiro. Nas outras residências o esgoto é encanado, mas na frente da casa 45, corre abertamente, alimentando a ocorrência de mais doenças. “Eu não tinha direito pra pagar os tubos, por isso não tem aqui. A senhora viu como cheira mal?”, questionou.

Sem expectativa de melhora nas condições, Elísia pede apenas uma coisa. “Que Deus não me tire ele. Mãe sofre, mas não liga. Tudo que eu quero é que ele não sofra tanto”, relatou.

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Teve vontade de ajudar? Muitas pessoas tiveram o mesmo ímpeto e, uma semana depois, a vida de Elísia e Pedro começa a mudar.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Viver a vida, aqui



Luís Nei e os degraus, os milhões de degraus



Mauro, feliz como aos 19 anos e os primeiros passos



Luciane, bem mais corajosa que a da novela

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O Luís Nei levou um tiro em uma briga, há nove anos.

Desde então, ele está em uma cadeira de rodas.

Há nove anos ele não passeava pelo centro de Canoinhas.

Na semana passada, auxiliada pelo Cássio, da ACD, eu andei pela rua Francisco de Paula Pereira com o Luís Nei. As limitações imensas no trajeto não fizeram com que o passeio fosse aproveitado como deveria.

O alerta está na versão impressa do CN, que traz também histórias de superação, como as de Mauro e Luciane.

Nas bancas. Quem lê, sabe.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Os olhos de Romeu






Eu não escrevi sobre Romeu e seus olhos, porque a mim, naquela tarde ensolarada em Bela Vista do Toldo, me sobrou a câmera.

Inegavelmente o azul do céu refletido nos olhos do jovem senhor, misturado ao meu cansaço e à saudade do meu avô, que tinha também aqueles olhos, me fez sentir vontade de escrever. O fiz com a luz.

A matéria sobre seu Romeu e a Bela Vista está nas bancas, bem escrita pelo meu colega, Edinei Wassoaski, na edição impressa do CN.

quinta-feira, 11 de março de 2010

É tradição, minha gente

Erva-mate busca novos rumos para conquistar mercado

Produtores buscam aquisição do selo de Indicação Geográfica para o produto do Planalto Norte

Gracieli Polak
CANOINHAS

Como o espumante produzido na região de Champagne, na França, ou como o vinho da região do Porto, em Portugal, o chimarrão do Planalto Norte pode receber o reconhecimento como produto genuinamente regional, com características únicas e relevante valor histórico para os municípios que o produzem.
Na terça-feira, 9, produtores e representantes da indústria do mate se uniram a pesquisadores e a representante do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) para discutir as possibilidades de reconhecimento do produto com Indicação Geográfica (IG), que diferencia a erva daqui das demais produzidas no Brasil e na América do Sul. Segundo o engenheiro agrônomo e pesquisador da Estação Experimental da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri) de Canoinhas, Adriano Martinho de Souza, este primeiro encontro foi organizado com o intuito de esclarecer aos produtores o conceito de IG e os benefícios de adquirir o reconhecimento para o produto. “Estamos formando um grupo técnico em erva-mate com representantes do setor para avaliar o que pode ser feito para valorizar o produto daqui, produzido em processo muito diferente do que na Argentina, por exemplo, que adota outro sistema, mais comercial”, explica.
De acordo com a pesquisadora francesa Claire Cerdam, do Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento (Cirad) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o IG é um diferencial de qualidade que, além de distinguir o produto dos demais, agrega valor não só ao produto final, mas também à região em que é produzido. “Não se cria uma Indicação Geográfica se o produto não existir, se não houver uma distinção dele para os demais em relação ao ambiente ou ao modo de fazer da região”, defendeu. Segundo Claire, se a erva-mate daqui possui características únicas, esta é uma premissa para o reconhecimento do IG, caso haja interesses dos envolvidos em buscar esse reconhecimento.

HISTÓRIA E FUTURO
Para o presidente do Sindicato da Indústria do Mate em Santa Catarina (Sindimate) Paulo Davit Baldo, a busca pelo IG para a erva produzida na região é um processo fundamental porque deve passar o produto. “Nós temos reputação, estrutura, história. Mais que isso, temos condição de promover sustentabilidade com o cultivo da erva-mate”, ressalta.
Baldo explica que a erva-mate, nos moldes como é cultivada no Planalto Norte, não agride o meio ambiente e que, mesmo com o estabelecimento de áreas de Reserva Legal, o cultivo não está ameaçado. “Porque não é ilegal a existência das plantas nestas áreas, o cultivo se mantém como uma atividade viável de bom aproveitamento de áreas que serão inutilizadas para exploração comercial”, afirma.
Segundo Luís Dranka, secretário do Sindimate, o fato da erva mate estar presente em cerca de 90% das propriedades rurais da região, significa um incremento na renda familiar de aproximadamente três mil famílias, fator que não pode ser negligenciado, embora a produção agrícola represente maior valor financeiro. “O cultivo da erva nas propriedades, de forma natural é automático e um complemento para o agricultor que se dedica a outras atividades”, afirma.
Uma agenda de reuniões para a discussão da Indicação Geográfica do mate da região está sendo organizada pelas entidades representativas, para dar continuidade às ações.

Matéria correlata

Ouro verde do passado, erva-mate é riqueza histórica que pode render frutos no futuro

“A erva produzida aqui nesta região, no Planalto Norte, é mesmo diferente?”, questiona José Carlos Ramos, chefe do serviço de políticas agropecuárias do Mapa em Santa Catarina. Conhecido no Sul do País e considerado sinônimo de produto de qualidade, o chimarrão feito com a erva produzida aqui, segundo Paulo Davit Baldo, é realmente diferente. “As condições favoráveis de chuva e solo, as temperaturas médias mais baixas, além da forma de cultivo sombreada, fazem com que a nossa erva seja, realmente, diferente, de um sabor privilegiado”, defendeu.
Segundo o presidente do Sindimate, Canoinhas era reconhecida há décadas justamente pela erva que produzia, a mesma em qualidade e sabor que é produzida hoje. “A diferença é que outras regiões passaram a usar a nossa fama para conquistar mercado”, explicou. Apoiado na “fama” do produto, umas possibilidades que se abrem com o IG é a exploração turística da região, defende Baldo, até hoje pouco explorada.

Matéria veiculada na sexta-feira, 12, no Jornal Correio do Norte.

Entre no site e confira: www.jornalcorreiodonorte.com.br

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Maçã é colhida com estimativa de 80% de perda na região

Maçã é colhida com estimativa de 80% de perda na região

Excesso de chuva e granizo atrapalhou desenvolvimento dos frutos; quilo da fruta está sendo vendido a R$ 1

Gracieli Polak
CANOINHAS/ MAJOR VIEIRA/ MONTE CASTELO

Nas prateleiras dos mercados, maçã fresca. No bolso dos fruticultores do Planalto Norte, mais dinheiro por menos fruta. A maçã da região, que começou a ser colhida em dezembro, novamente é a primeira a entrar no mercado no País, o que significa maior agregação de valor ao produto, mas diferente de outras safras, neste ano haverá menos dinheiro no bolso dos fruticultores.

Enquanto as variedades Eva e Princesa apresentaram rendimentos bons, a principal variedade cultivada na região, a Castel Gala, enfrenta dificuldades. De acordo com o produtor Alberto Schostak, que na terça-feira, 12, carregava o último caminhão com a fruta colhida em sua propriedade, na localidade de Rio d’Areia do Meio, em Canoinhas, a produção foi baixa, muito menor do que a esperada pela maioria dos fruticultores. “Realmente nós tivemos uma quebra muito grande, mas embora a produção tenha sido baixa, a qualidade compensou”, revela. Schostak cultiva um pomar com a variedade Castel Gala, desenvolvida em Monte Castelo pelo engenheiro agrônomo Jânio Seccon. Precoce, a variedade floresce com menos horas de frio e possibilita o adiantamento da colheita, principal vantagem, que neste ano entrou em atrito com o tempo úmido.

Durante a semana de floração da variedade a chuva persistente na região fez com que menos frutos fossem formados. “Choveu sem parar durante a semana que as árvores floriram. Com chuva a abelha não trabalha e a polinização, necessária para a formação dos frutos, não acontece”, explica o presidente da Cooperativa dos Fruticultores do Planalto Norte (Cooperpomares), Zennis Grein. Em Monte Castelo a Cooperpomares agrega mais de 100 hectares de área plantada com maçã e esperava para esta safra, de acordo com Grein, quatro mil toneladas de maçã, crescimento de 33% em relação à safra passada. “Pelo que estamos estimando, mal vai chegar às 700 toneladas a produção dos nossos cooperados”, revela.

GRANIZO CAUSA MAIS PERDAS
Em Major Vieira, a situação se repete. Segundo Valdecir Menegazzio, assessor técnico da Associação de Fruticultura de Major Vieira (Afrumavi), que em dezembro inaugurou sua unidade de classificação, a safra deste ano é notória pelas perdas que devastaram os pomares e pela pouca perspectiva de lucro. De acordo com Menegazzio, perdas de mais de 80% foram observadas na variedade Castel Gala pelos 12 fruticultores associados em Major Vieira, motivadas também pelas alterações no clima. “Nosso principal problema foi uma chuva de granizo que devastou os pomares, ainda durante a floração e formação dos frutos”, conta.

Com produtividade baixa, a principal vantagem da maçã do Planalto Norte se mantém. A colheita, que se inicia no final de dezembro, deixa para trás a região de Fraiburgo, principal produtora, e garante melhor preço para os fruticultores. O quilograma da fruta tem saído dos pomares por uma média de R$1.

Produtores investem para diminuir custos e agregar mais lucro

No começo de fevereiro, quando a principal região produtora da maçã no Estado, Fraiburgo, começa a colher os primeiros frutos, o preço do quilograma cai abaixo dos R$ 0,70. O adicional que os produtores recebem pela variedade precoce é o que sustenta o negócio e movimenta a região, que começa a se estruturar para se tornar um dos grandes polos produtores de maçã do Estado.

Em maio de 2008 uma audiência pública realizada em Monte Castelo discutiu a necessidade de construção de unidades de classificação e de armazenamento das frutas da região, que viajavam até Fraiburgo para passar pela classificação e posterior comercialização. Hoje, parte desse processo ainda continua. Em Monte Castelo, segundo Zennis Grein, o projeto de construção de uma unidade de classificação já foi aprovado e dentro de 90 dias a verba será liberada. “O terreno nós já temos garantido por uma doação da prefeitura”, diz.

Em Major Vieira, que desde dezembro conta com uma unidade de classificação, o próximo passo deve ser uma câmara fria, mas apenas para o resfriamento das frutas, não para conservação, como acontece em outras regiões produtoras que comercializam as frutas durante todo o ano. “Nosso principal apelo é colocar a maçã no mercado antes dos outros, com mais preço. Temos de colher e vender já”, defende Menegazzio.

Matéria veiculada hoje, 15 de janeiro de 2010.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Busca perigosa pela magreza

Somente neste ano, duas jovens morreram em Canoinhas em decorrência do transtorno; atenção dos pais deve ser constante, alertam especialistas

Gracieli Polak
CANOINHAS

Menina dedicada e sempre com sorriso no rosto, Rúbia Terezinha Pereira tinha uma vida normal, como a maioria das adolescentes. Gostava de desenhar e de pintar, terminou o Ensino Médio, começou uma faculdade, trabalhava e sonhava com um futuro brilhante, até que o mal que lhe tirou a vida começou a diminuir a frequência dos sorrisos e começou a calar sua voz. “Olhei para ela no hospital e me perguntei há quantos anos não ouvia a Rúbia cantando. Ela não era mais uma menina feliz” revela sua mãe, Terezinha Machado Pereira.

Rúbia faleceu em 5 de outubro, em Canoinhas, de insuficiência respiratória decorrente da anorexia, doença diagnosticada há cerca de cinco anos. Antes disso era uma garota frágil e dedicada, como conta a tia-avó Darci Pereira Machado, que ainda guarda alguns trabalhos da sobrinha, que fazia faculdade de Artes Visuais. “Ela era organizada e muito perfeccionista. Gostava de tudo certinho, arrumadinho”, conta. Para a jovem o futuro começou a ruir à medida que perdia mais e mais quilos, chegando ao extremo da doença e da tortura psicológica para ela e para a família, que lutava pela recuperação.

Segundo a mãe, o inchaço no estômago de Rúbia e a magreza além do normal os levaram a procurar ajuda médica para diagnosticar o que acontecia com a menina. Profissionais de diversas áreas foram consultados para identificar o problema, até que o diagnóstico surpreendeu a todos. “Descobrimos uma gastrite, mas o transtorno, mesmo, foi só mais tarde. Você nunca espera que aconteça com você, na sua família”, conta a mãe. Depois de investigar a doença da filha, a mãe, enfermeira aposentada, descobriu que Rúbia começou a induzir vômito, até que a situação ficou espontânea. Depois parou de comer em quantidades normais, emagreceu muito, foi internada, se recuperou, mas sofreu novas recaídas. “Não tinha como saber. Eu conversava com minha filha, tinha uma boa relação, prestava atenção ao que ela fazia”, conta Terezinha, que tem esperança que o caso da filha sirva de alerta para que outras meninas não tenham suas vidas tomadas pela anorexia.

DOENÇA PERIGOSA
Rúbia não era um caso isolado. Foi a segunda a falecer em decorrência da doença na cidade somente neste ano, enquanto outras meninas passam pelo tratamento. Segundo a nutricionista Milenna Larissa Conceição, embora não exista um padrão específico para a ocorrência de transtornos alimentares como anorexia e bulimia, algumas características costumam ser comuns entre os pacientes. “Geralmente são alunos exemplares, perfeccionistas, gostam de cozinhar para os outros, mas fogem de alimentações em público”, conta.

Milena explica que, embora as pessoas associem as duas doenças, elas são muito diferentes. Na anorexia, fala a nutricionista, existe a recusa em se alimentar, até o ponto em que o corpo aprende a dominar a fome. “Na bulimia é o contrário: se come muito, mas depois vem a culpa e a indução ao vômito ou o uso indiscriminado de laxantes”, diz. Nas duas doenças, o mesmo sintoma: a distorção do próprio corpo. “Elas podem estar muito magras, mas se olham no espelho e se sentem gordas. Para chegar às metas ou se manter magra, vale lançar mão de muitas artimanhas, como burlar o tratamento, mesmo que isso signifique arriscar ainda mais a saúde”, revela.
O pensamento distorcido em relação ao corpo é, segundo a psicóloga Elisa Vieira Carvalho, uma das características mais marcantes nos casos de transtornos alimentares. A valorização do padrão estético de magreza, ideal de beleza almejado cada vez mais cedo pelas mulheres, pode, afirma a psicóloga, ser o estopim para o desencadeamento das doenças. “Geralmente as pacientes já apresentam quadro de algum transtorno, como depressão ou transtorno obsessivo compulsivo, que podem distorcer sua relação com a comida, com o próprio corpo”, explica. “Todo mundo busca a perfeição de alguma forma, mas é importante que se esteja de bem com o próprio corpo”, alerta.

FAMÍLIA ATENTA
Para a detecção precoce dos transtornos alimentares, alertam as profissionais, o envolvimento da família com a rotina dos filhos deve ser constante. “Você sabe o que seu filho comeu hoje? Você faz suas refeições junto a ele?”, questiona Elisa. Ela alerta que, mesmo com a correria do dia a dia, é preciso estar atento ao comportamento dos filhos, principalmente porque a detecção do problema, no caso da bulimia, não é fácil. “Geralmente as meninas tem um corpo bonito, não apresentam tantos sinais visíveis, como o emagrecimento na anorexia. Ainda assim, algumas características, como a mudança de coloração nos dentes podem ser observadas”, esclarece. Para saber identificar, no entanto, é preciso informação. “Os pais podem até saber o que é, mas se os filhos têm, não percebem”, diz.

Adolescentes e mulheres jovens compõem uma faixa etária de maior risco ao desenvolvimento dos transtornos. Nesta idade, segundo a psicóloga, a pressão pela aceitação em grupos sociais é maior, o que muitas vezes promove interpretações equivocadas sobre a própria imagem. Para a nutricionista, os efeitos de regimes e exercícios físicos, rápidos devido à aceleração do metabolismo da adolescência, podem trazer resultados também rápidos e fazer com que cada vez se queira estar mais magro, independente da saúde. “Por isso é fundamental descobrir no início, buscar tratamento. Os danos ao organismo são inúmeros, sem contar o que acontece à auto-estima dessas meninas”, ressalta Milenna.

Idade complexa

Incidência é maior na adolescência

Enquanto meio quilo acima do ideal no corpo esguio é motivo de preocupação para uma, para outra gastar tempo na academia para tão pouco não é algo que mereça atenção. Aos 15 anos, Francelyne Penteado e Mariana Ferraz têm opiniões opostas em relação à manutenção da forma física. “Eu faço academia para perder esse meio quilo, porque se eu não me cuidar, pode ser que aumente e me traga mais problemas”, diz Francelyne. Segundo ela, o cuidado é normal. Para Mariana, tão magra quanto a colega, a preocupação é um pouco extrema, ainda que saudável.

Dietas e exercícios físicos, soluções para redução de peso, podem ser maléficas se realizadas sem orientação, alertam profissionais. A preocupação com o corpo e a obsessão em se encaixar em um padrão de beleza podem, também, problematizar o desenvolvimento das adolescentes. No caso das alunas da E.E.B. Santa Cruz ouvidas pelo CN, a preocupação com as formas do corpo é moldada por outro rótulo: saúde. “Eu acho que é preciso se cuidar, sim, mas comer alimentos saudáveis. Passar fome, não, porque a gente tem de se aceitar como é”, afirma Cibely Schipitoski.

Para Keila dos Santos, de 17 anos, assim como para Cibely, a palavra chave é valorização pessoal. “As pessoas inventam um padrão, mas ele não precisa ser seguido por todas”, defende. Com alguns quilinhos a mais, a estudante, que canta na banda da escola, não impõe a si mesma um emagrecimento forçado. Pelo contrário: valoriza o que é. “Eu não posso esperar para fazer algumas coisas somente depois de emagrecer. Também não me privo das coisas que eu gosto”, avalia. O aparecimento de casos de transtornos alimentares em Canoinhas, para as estudantes, serve de alerta para que as meninas abram o olho e valorizem o que realmente importa. “Não vale a pena perder a vida por tentar se encaixar em um padrão” defende Cassiana Gusso.

Se a preocupação com a forma física passou um pouco do limite, conversa e tratamento devem ser priorizados. “Quanto antes se procurar ajuda, melhor” alerta Elisa.


Matéria veiculada na sexta-feira, 27 de novembro de 2009.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Mar de soja de um lado, de outro também

"Sim, eu gosto mesmo é de escrever sobre agricultura. De andar horas e horas por estradas de chão, aperta mãos sujas de graxa ou de terra, de conversar olhando nos olhos e fazer minha anotações com uma cuia de mate na mão esquerda.

Mate bom, aliás, é a especialidade dos Perciak".

Para a safra 2009/2010 opção é pela soja

Com rentabilidade no último ciclo, área plantada com leguminosa cresce

Gracieli Polak
CANOINHAS

Com o tempo bom e grande parte das sementes já no solo, a paisagem começa a mudar no campo. Aos poucos a safra 2009/2010 começa a ser “vista” no interior da região, mas refletindo o que acontece no restante das regiões produtivas do País, o predomínio, neste ciclo, será da soja. Mais de 22 milhões de hectares serão cultivados com a leguminosa que, com previsão climática boa para os próximos três meses, deverá superar recorde e atingir produtividade superior a 63 milhões de toneladas, quase a metade da produção total de grãos brasileira, estimada em 139 milhões de toneladas até o fim do ciclo, segundo estimativa da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Na região, a julgar pelo comportamento dos agricultores, a situação se repete. Na manhã de quarta-feira, 11, os irmãos Sinésio, Luís César e Vitalino Perciak, da localidade do Salto d’Água Verde, faziam reparos nos maquinários enquanto a umidade trazida pela chuva do dia anterior não permitia o plantio de mais uma área. Para eles, segundo Sinésio, a alternativa é uma só: a soja.
Com a oleaginosa os irmãos pretendem ocupar cerca de 50 hectares de chão. Para não ficarem somente na soja, três hectares foram plantados com feijão, mas o volume nem chega a fazer sombra diante da principal cultura, que na propriedade deles não disputa espaço com o milho, caso de produtores maiores. “Para a gente não compensa, porque nós plantamos soja porque produz. O preço pode até não ser tão alto, mas em relação aos custos, é vantajoso”, argumenta Luís. A situação é semelhante a de Clemente Chuppel, que para esta safra, também se apóia nesse argumento para aumentar a área de soja. “O milho não tem compensado, por isto diminui a área”, relata.
Segundo Vitalino Perciak, o risco do milho é muito alto para compensar o preço pago hoje – cerca de R$ 18 a saca, enquanto a saca de soja valia, na cotação de ontem para Canoinhas, R$ 42. A lógica, no entanto, pode ser revertida.

MILHO DEVE VALORIZAR
Com a aposta na soja, a área plantada com milho na região deve ser menor. O resultado da safra menor do cereal deve gerar no mercado nacional, segundo especialistas no setor, uma valorização no preço do milho. Apostando nisso o agricultor Flávio Francisco Antonovicz manteve a área plantada com milho no ciclo anterior, mesmo enfrentando resistência dos filhos. “Aumentou um pouco a área da soja, mas eu preferi preservar uma parte com milho”, afirma. Ainda assim, dos 382 alqueires cultivados, 120 vão para milho, 20 para feijão e o restante, para a soja, revela o agricultor, que espera por uma safra farta, devido à previsão de chuva e umidade em níveis satisfatórios para o período de cultivo.

Novas fontes de biodiesel ficam nos experimentos

Lançado há quase cinco anos, o programa nacional de biodiesel como incentivo à agricultura familiar ainda não mostrou reflexos positivos para o setor. Quem comprova isso são os dados apresentados pelo Ministério de Minas e Energia. Segundo o órgão, em julho, a soja foi responsável por 78,7% de toda a produção de biodiesel no País, enquanto o sebo bovino foi a segunda matéria-prima mais utilizada (14,6%) e o óleo de algodão, a terceira (4,1%). De todo biodiesel produzido no Brasil, apenas 2,6% veio de outras fontes de outras fontes, como mamona, pinhão manso e girassol.
Para os Persiaki, que há dois anos tentaram o cultivo do girassol e foram visitados pela reportagem do CN, o maior desafio na cultura foi conseguir lucro na hora da comercialização, porque, segundo eles, na lavoura o produto rendeu. Para um grupo de agricultores que tentou o cultivo de pinhão manso em Canoinhas e Bela Vista do Toldo, o clima foi o entrave. “A ideia era muito boa, inclusive com resultados no campo experimental, mas a planta não resistiu à geada”, conta o vereador João Grein (PT), que mediou o plantio por meio do Sindicato dos Agricultores Familiares (Sintraf). As experiências na região e no restante do País revelam que o que falta para o projeto deslanchar ainda é a pesquisa.
De acordo o pesquisador da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), Gilcimar Adriano Vogt, o programa enfrenta dificuldades na região por diversos fatores, um deles bastante relevante, a pouca lucratividade. Outros pontos também dificultam em culturas como o girassol, porque, segundo ele, além de ainda não haver o costume – e, portanto o manejo adequado – das plantas, a rentabilidade é comprometida. “Para a região somente as culturas de inverno são atrativas e, ainda sim, é preciso bastante estudo”, defende.

Matéria veiculada hoje, 13 de novembro de 2009.